CONSULTÓRIO NA RUA ITABUNA/BAHIA: SAÚDE.COM.CULTURA – OS PRIMEIROS PASSOS PARA UMA LONGA HISTÓRIA.

Apresentação

Com uma população em situação de rua de 282 pessoas cadastradas no eSUS/2024, o município de Itabuna, localizado no Sul da Bahia, deu início no corrente ano às atividades da equipe de Consultório na Rua (eCR). Aparentemente curto, o período de curso das ações da eCR vem sendo marcado por um profundo compromisso com a vida, com o SUS e com a justiça social, o que remete à assertiva de que sejam estes os primeiros passos para uma longa história. Define-se como população em situação de rua (PSR) o “grupo populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular, e que utiliza os logradouros públicos e as áreas degradadas como espaço de moradia e de sustento, de forma temporária ou permanente, bem como, as unidades de acolhimento para pernoite temporário ou como moradia provisória” (Decreto nº7.053/2009). Assim, a eCR tem como objetivo lidar com os diferentes problemas e necessidades de saúde da população em situação de rua, conforme Art.2° da Portaria MS/GM Nº 122/2012 e Portaria de Consolidação Nº 2, de 28 de setembro de 2017. Ressalta-se, para além dos efeitos do racismo institucional e estrutural presente nos serviços de saúde e na sociedade, a invisibilidade da PSR para o sistema de saúde, incluindo demais serviços de atenção primária, bem como o despreparo de gestores e de trabalhadores, têm sido grandes barreiras para o acesso de tal grupo populacional ao SUS.

Objetivos

GERAL: Descrever o processo de implantação e as principais ações desenvolvidas pela eCR no município de Itabuna/Bahia. ESPECÍFICOS: 1.Demonstrar como juntas, as ações de saúde e de cultura (especialmente artísticas), têm facilitado o acesso da PSR às atividades desenvolvidas pela eCR no município de Itabuna/Bahia 2.Relatar as dificuldades encontradas e como têm sido superadas no processo inicial de atividades da eCR no município de Itabuna/Bahia 3.Mostrar a relevância do atributo competência cultural para os processos de trabalho de gestores e trabalhadores do SUS, especialmente para os serviços da Atenção Primária à Saúde, no encontro e no cuidado com e para a PSR.

Metodologia

A proposta de adesão ao Programa Consultório na Rua (PCR) nasceu em discussão no GT Políticas de Equidade em Saúde com o apoio da DGC/SESAB. Atendido o critério para adesão (número de PSR – eSUS), buscou-se identificar os motivos do descredenciamento da eCR anteriormente existente no município (sejam: ausência de motorista e carro, dificuldade para aquisição de material, ausência de alinhamento com APS e RAS, profissionais com outras demandas). Prevendo estratégias para a superação das referidas fragilidades e realizado os devidos ajustes em nível de gestão, inclusive acerca da modalidade e categorias profissionais, o projeto foi apresentado ao CMS. Após credenciamento junto ao MS, foi realizada a contratação de profissionais (enfermeira, técnica de enfermagem, psicóloga, assistente social, técnica de saúde bucal e arte educador). Os 15 dias iniciais de atividades foram direcionados à capacitação da equipe com temas desde antecedentes do SUS até a experiência de eCR’s e apresentação da RAS local, passando por encontros com GT Equidade, ESF’s, coordenações do SAMU, Saúde Mental, UPA, CERPAT, Vigilância, Secretária de Promoção Social, IES e outros. Com carga horária de 30h semanais, a eCR atua durante 4 períodos diurnos (sendo 1 para planejamento/avaliação/formação) e 1 período noturno, estando ligado diretamente à referência técnica municipal para as políticas de equidade em saúde e ao GT Equidade.

Resultados

A implantação da eCR em Itabuna/Bahia remete a muitos resultados significativos, a começar por ter sido uma iniciativa proposta a partir de um coletivo (GT) focado na promoção das políticas de equidade e pela escuta a profissionais da eCR descredenciada para entender os porquês. Paralelamente, cita-se: seleção de profissionais com atenção ao perfil profissional e às experiências prévias e disponibilização em nível municipal apenas para a eCR elaboração de plano de ação para superar os problemas que descredenciaram equipe anterior apoio da DGC/SESAB alinhamento com RAS mapeamento de PSR por ESF atualização de cadastros (exclusão e inclusão) junto com TACS/ACS e atendimentos e atividades educativas realizadas em diversos pontos da cidade diurna e noturnamente. Destacam-se ainda: o envolvimento da eCR com o processo de trabalho as diversas parcerias de prontidão a presteza dos serviços da RAS para respostas (incluindo disponibilização de ambulâncias sempre que necessário) o apoio do setor de transporte e almoxarifado o reconhecimento enquanto um serviço de atenção primária e a integração com os seus demais serviços o total apoio da gestão municipal outros. Em especial, destaca-se o impacto social, cultural e de saúde que a presença e mobilização promovida pelo arte educador em integração com profissionais da saúde tem gerado, especialmente estimulando a confiança e aproximação da PSR da eCR e, consequentemente, a retirada da PSR do lugar de sujeitos “invisíveis”.

Conclusões

Muito tem se aprendido com a implantação do PCR. Um relato do motorista pode bem elucidar: “acompanhar o trabalho da eCR tem me mostrado que quem quer fazer trabalha e quem não quer arranja desculpas. Acho bonito demais ver a enfermagem fazendo curativos ali, a psicóloga sentada no chão conversado com a PSR, o arte educador cantando com eles”. Enfim, esse é o retrato da eCR. Esse é o retrato do SUS universal, integral e equânime. Mas é também a descrição de um processo de trabalho que tem primado por estimular a competência cultural enquanto atributo essencial para o diálogo e para o respeito à diversidade presente entre os sujeitos e nos territórios, por isso é tão importante seja compartilhado. Ademais, a inclusão das políticas de equidade na agenda de governo demonstra ser requisito fundamental para o sucesso de programas como o Consultório na Rua. Da mesma forma, o compromisso e o preparo de gestores e trabalhadores e a construção de rede de apoio apontam enquanto essenciais. Espera-se que pelo SUS e, antes, pela redução das iniquidades e pela vida, esta experiência possa inspirar outros tantos municípios. Afinal, é necessário que sigamos a lutar para que a justiça social se implante antes da caridade (FREIRE, 2006).