Em 2024, a Secretaria Estadual de Saúde da Bahia emitiu um alerta epidemiológico para uma possível epidemia no estado, especialmente devido ao aumento significativo dos casos de arboviroses em Vitória da Conquista, um município de médio porte no sudoeste da Bahia. Com uma população de cerca de 400 mil habitantes, a cidade entrou em alerta vermelho devido ao crescimento dos casos, principalmente devido às altas temperaturas que favorecem a reprodução do mosquito vetor. Para lidar com essa situação, o município reforçou sua rede de vigilância e monitoramento, elaborando um plano de contingência e ação. A equipe de avaliação bioestatística desempenhou um papel fundamental na estimativa dos impactos dessas doenças na rede de saúde municipal, visando evitar o colapso dos serviços de urgência e emergência. Em fevereiro, o boletim epidemiológico confirmou a tendência de aumento dos casos, levando a equipe de bioestatística a estimar diferentes cenários para orientar as decisões da gestão de saúde. Isso culminou na publicação de um Decreto de Emergência de Saúde Pública devido ao cenário epidemiológico das arboviroses. Entre as estratégias adotadas para enfrentar o problema, destacou-se a reorganização do trabalho das Equipes de Saúde da Família da Atenção Primária à Saúde, especialmente porque em 2023 essas equipes passaram por uma reestruturação significativa, com investimentos para ampliação da cobertura de saúde de 64% em 2022 para 73% em 2023.
Este relato de experiência tem como objetivo descrever as estratégias utilizadas pelo município de Vitória da Conquista – Bahia para enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do aumento exponencial dos casos das arboviroses. Como objetivos específicos, pretendemos de apresentar o percurso de reorganização do processo de trabalho das Equipes de Saúde da Atenção Primária à Saúde acolhimento e atendimento aos usuários acometidos pelas arboviroses, de forma rápida e resolutiva e demonstrar a articulação intersetorial para construção do Plano de Contingência/Ação de enfrentamento as arboviroses.
Um plano de ação foi desenvolvido para melhorar a eficácia da rede municipal de saúde, visando oferecer assistência de qualidade e prevenir o agravamento dos casos para os usuários, evitando o colapso da rede regional de urgência e emergência. As medidas incluíram: 1. Publicação do Decreto nº 23.098/2024 em 19 de fevereiro, declarando situação de emergência devido às arboviroses. 2. Estruturação da resposta na rede de saúde, abrangendo assistência, vigilância epidemiológica, laboratorial, entomológica, controle de vetores, mobilização e comunicação em saúde, além de envolver a colaboração interdepartamental. 3. Capacitação em manejo clínico para arboviroses em 22 de fevereiro, seguindo as diretrizes do Ministério da Saúde para médicos e enfermeiros da APS focando em classificação de risco, manejo clínico adequado e encaminhamento de casos na rede de atenção. 4. Reforço da capacitação para reconhecer sinais e sintomas de arboviroses em todos os níveis de atenção da rede pública e privada. 5. Implementação de 4 Unidades Sentinelas na APS, com ampliação de equipe e horário de atendimento prioritário (14h às 22h) para usuários com sintomas de arboviroses, além de 4 Unidades de Saúde em horário estendido (17h às 22h) totalizando 8 unidades com atendimento até às 22h. 6. Fluxo junto ao SAMU 192 para remoção de usuários com sinais de agravamento, incluindo acolhimento da demanda, regulação para Unidade Hospitalar adequada e transporte sanitário da APS para o atendimento hospitalar.
A implantação das Unidades Sentinelas tem como principal resultado, do ponto de vista social, o acolhimento de todos os usuários que demandaram o serviço com sinais e sintomas de acometimento por arboviroses. A absorção desses usuários na rede municipal de APS contribuiu para reduzir a pressão constante nas Unidades Hospitalares, prevenindo o colapso dos serviços de saúde. Para além disso, após 6 semanas completas de funcionamentos das Unidades Sentinelas, foram mais de 10 mil atendimentos, uma média diária de mais de 250 atendimentos. Do total de atendimentos realizados, menos de 10% (9,5%) retornaram na Unidade Sentinela em que recebeu o atendimento inicial, buscando reavaliação. Esse dado demonstra que essas Unidades são a porta de entrada inicial para os cuidados primários aos casos suspeitos de arboviroses, sobretudo, devido ao seu horário de atendimento estendido, mas que uma vez tendo recebido atendimento inicial, intervenções necessárias e orientações, este usuário passou a ser acompanhado por sua Unidade de Saúde de referência, reforçando o papel da APS como gestora e ordenadora do cuidado. Além disso, do total de atendimentos, cerca de 17% receberam classificação de risco de acordo com sinais e sintomas, como sendo dos Grupos B, C e D. Desses, 14% receberam cuidados primários nas Unidades Sentinelas, incluindo hidratação venosa e somente 3% desses necessitou de remoção para Unidade Hospitalar. O tempo médio para regulação e remoção foi menor que 60 minutos.
As Unidades Sentinelas na rede municipal de APS foram eficazes no combate às arboviroses, oferecendo atendimento inicial, intervenções e orientações adequadas aos usuários. Sua implementação reduziu a pressão sobre os hospitais, evitando colapsos nos serviços de saúde. Com mais de 10 mil atendimentos em apenas 6 semanas, essas unidades se destacaram como a porta de entrada inicial para cuidados primários em casos suspeitos de arboviroses. A baixa taxa de retorno dos usuários mostra a eficácia das intervenções realizadas, fortalecendo o papel da APS na gestão do cuidado. Além disso, as Unidades Sentinelas demonstraram capacidade de fornecer cuidados primários adequados, com baixa taxa de remoções hospitalares e tempo médio de regulação e remoção inferior a 60 minutos. Esses resultados evidenciam a importância da rede de Atenção Primária à Saúde forte, estruturada para resposta às arboviroses e demais surtos e epidemias, reduzindo a sobrecarga hospitalar, prevenindo o colapso dessas Unidades, e garantindo uma gestão eficaz do cuidado na APS. Essa abordagem integrada e proativa é essencial para enfrentar desafios de saúde pública complexos e deve ser valorizada e fortalecida como parte essencial do sistema de saúde.