A Síndrome do Espectro Autista só foi adicionada à Classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2013, o que revela a sua dificuldade de diagnóstico e tratamento. Essa realidade se diferencia da experiência desenvolvida em um pequeno município de apenas 19 mil habitantes, no sul da Bahia, localizado a mais de 400 km de Salvador. Em Ubaitaba, as famílias conquistaram o direito ao tratamento multiprofissional de suas crianças e adolescentes com autismo através do projeto TEAbraça.
Anteriormente, as famílias precisavam se deslocar para Itabuna, município próximo, em busca de atendimento especializado. Para acessar o serviço, no entanto, era necessário enfrentar uma fila de espera que quase nunca avançava, justamente porque o município não disponibiliza atendimento específico para o tratamento do autismo. Não há, por exemplo, profissionais como Terapeuta Ocupacional e Fonoaudiólogo, cuja participação no cuidado é fundamental.
No momento em que a secretária municipal de Saúde, Tamires Sampaio Santos, assumiu a pasta, uma das primeiras reivindicações veio do pai de uma criança autista, que solicitava o cuidado especializado no próprio município. Mobilizando recursos do tesouro municipal, a gestão enfrentou o principal desafio, que foi trazer profissionais para atuarem em Ubaitaba. A partir do esforço coletivo, foi possível finalmente implantar o projeto TEAbraça, inaugurando o serviço em uma Unidade Básica de Saúde em 2021.
“Nosso maior desafio é a presença dos profissionais, tanto porque mantemos o projeto com recursos próprios, quanto porque em algumas especialidades é difícil encontrar profissionais disponíveis para atuar no município. Estamos buscando recursos do Governo Federal para a ampliação”, explica a secretária.
Para dar entrada no projeto, é necessário ter um encaminhamento médico, com diagnóstico definido ou no mínimo a suspeita de que a criança tenha autismo ou síndrome de down. O laudo pode ser emitido pelo psiquiatra do município, pelo neuropediatra de Itabuna ou por um profissional da rede privada. O acompanhamento é feito por uma equipe composta por médico, dentista, fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional e psicólogo.
O projeto, que ganhou sede própria, atende atualmente 53 crianças. Uma delas é o filho mais velho de Igor Caleb Ribeiro Pereira. Ele conta que David Henrique, de 5 anos, tinha muita dificuldade de socialização a ponto de suscitar dúvidas sobre a possibilidade de frequentar a escola. Com as terapias desenvolvidas no projeto, ele mudou sensivelmente e hoje vai à escola regularmente e participa do TEAbraça três vezes por semana. “O diagnóstico do autismo é mais fácil hoje em dia, mas não é valorizado o seu enfrentamento. Não é uma doença, mas graças à terapia, os avanços são muito grandes”, afirma o pai.
Conscientização e enfrentamento ao preconceito
Em 2021, a partir dos relatos sobre a desassistência que envolvia as famílias, a Secretaria Municipal de Saúde iniciou um processo de diálogo com um grupo de pais, que deu origem ao projeto. Em pouco tempo, o serviço começou a ser estruturado e as crianças acompanhadas. Para se ter a dimensão da mudança, o filho de Igor aguardou por mais de um ano para entrar em uma fila de espera por atendimento especializado no município de Jequié, a 100 km de Ubaitaba.
Hoje, David Henrique é acompanhado por psicóloga, fonoaudióloga e terapeuta ocupacional, incluído em um tratamento que, segundo seu pai, não é encontrado nem em clínica particular. “Estamos muito agradecidos, pois esse tipo de suporte não é comum, considerando o contexto de um município de apenas 19 mil habitantes. O projeto mudou a realidade do município porque está evitando que crianças sejam comprometidas no seu desenvolvimento. A secretária enfrenta muitas dificuldades, mas mantém o TEAbraça e somos muito gratos à estrutura que nos é dada”, comemora o diretor administrativo.
Cuidar da população autista é também um modo de se contrapor ao preconceito. A Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu, em 2008, o dia 2 de abril como o Dia Mundial de Conscientização do Autismo. Estima-se que no Brasil cerca de 2 milhões de pessoas sejam autistas. O esclarecimento da população e dos profissionais de saúde é fundamental para diminuir a desinformação. Em Ubaitaba, é realizada a semana do autismo no comércio, com a distribuição de adesivos nos estabelecimentos para conscientizar sobre questões como a preferência na fila de espera e a vaga prioritária.
Além do atendimento terapêutico, o projeto se desenvolve também em uma dimensão social mais ampla. São realizadas reuniões mensais entre os profissionais e as famílias, além de várias confraternizações. “Muitas das nossas crianças foram abandonadas pelos pais, por isso promovemos rodas de conversa e acompanhamento psicológico das mães. Temos também um grupo de whatsapp com as mães, onde passamos informações, tiramos dúvidas e recebemos críticas. Para muitas famílias que moram nos distritos, viabilizamos até o transporte”, descreve a secretária.
Um dos princípios que o projeto busca desenvolver junto às famílias, além da proteção, é o de fortalecimento para enfrentar as dificuldades. Segundo a secretária, as mães são incentivadas a entender as características do seu filho e aceitar, sem se incomodar com os olhares alheios. “Me sinto útil, realizada, muito feliz mesmo com o retorno das famílias. Estar perto das mães e ver a transformação das crianças funciona como combustível”, finaliza Tamires.
Via Conasems